Rio de Janeiro

SáBADO, 23/04/2016, 06:00

Meninas são obrigadas a viver com traficantes no Rio

Reportagem exclusiva da CBN relata como menores são forçadas a deixar a família para fazer parte do 'harém' dos chefes do tráfico.

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Vista da Rocinha para os prédios de São Conrado (Crédito: Reprodução / internet)

Vista da Rocinha para os prédios de São Conrado

Crédito: Reprodução / internet

por Gabriel Sabóia (gabriel.saboia@cbn.com.br)

No linguajar das favelas cariocas, eles são conhecidos como "os donos dos morros". E na cartilha de exibição de poder dos traficantes, mulheres são objetos de ostentação comparáveis aos fuzis e cordões de ouro pendurados nos pescoços. Com esse pensamento, bandidos escolhem, aleatoriamente, jovens das comunidades para serem suas mulheres e as tiram de suas famílias. Na mira deles, estão meninas que, muitas vezes, têm menos de 15 anos e corpos em formação. Elas são submetidas a uma rotina de violências físicas e sexuais, além de terem as famílias ameaçadas. Com outras adolescentes, passam a compor o "harém" dos traficantes.

Adolescentes ouvidas pela CBN contam como é viver essa realidade. Moradora da Rocinha, na Zona Sul do Rio, Júlia* tinha 12 anos quando um traficante determinou que ela seria mulher dele. Júlia recorda que teve que abandonar os estudos e viver com outras sete mulheres em um barraco da comunidade, por medo de que algo fosse feito contra seus familiares.

"Eu aceitava todas (as mulheres) e, caso falasse algo, era violentada. Mulher de traficante não pode olhar nem para um lado, nem para o outro. Tem que andar olhando para o chão. Se você olha para o lado e está um amigo dele, você pode ser agredida por algo que nem fez. Fui muito agredida. Hoje penso em seguir a minha vida, me sinto muito sozinha, mas tento seguir", desabafa Júlia.

O sofrimento terminou no ano passado, quando o traficante foi morto em uma ação policial na comunidade. Hoje, aos 18 anos, Júlia trabalha para reestabelecer sua vida com um filho de 4 anos, fruto do relacionamento com o criminoso.

Porém, em outros casos, as meninas caem na armadilha atraídas pelo poder exibido no mundo do crime. Moradora da Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio, Joyce* foi aliciada por um traficante quando tinha 13 anos. Ela era obrigada a esconder drogas na casa onde os dois moravam. A rotina de violência e privações chegou ao fim há cinco meses, quando Joyce ficou grávida e foi ameaçada de morte:

"Eu não queria ter conhecido ele. Queria ter conhecido um pessoa melhor. Não falo com ele porque ele não quis assumir o filho. No começo, minha mãe não apoiava, mas depois ela viu que não tinha jeito e aceitou (o relacionamento). Ele dava dinheiro para a minha mãe. Se algo faltasse em casa, ele ajudava. Pretendo trabalhar depois que tiver meu filho, para ajudar a minha mãe."

A família de Joyce toda teve que sair do Complexo do Alemão.

O advogado e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB Carlos Nicodemos explica que, raramente, casos de violência ou servidão de meninas a traficantes chegam às autoridades.

"Esse é um processo de criminalização e aprofundamento de vitimização. Muitas vezes, elas acabam em uma relação em que um homem se coloca sobre a condição delas de gênero, sofrendo não só os processos criminais aí colocados, mas inúmeras discriminações”, explica o advogado.

Para Carlos Nicodemos, que realiza estudos com crianças e adolescentes em situação de risco, o evolvimento de meninas com traficantes acontece pelas relações pré-estabelecidas nas favelas cariocas. As famílias aceitam a condição por medo e, em muitos casos, para receberem ajuda financeira dos traficantes.

"A gente tem que ter claro que a família é um elemento-chave neste processo. Inclusive, em relação à ressocialização dos jovens que praticam atos infracionais. Muitas dessas meninas são levadas e colocadas em relação de escravidão pela relação de proximidade que têm com as pessoas que cometem os crimes e, por isso, acabam se afastando das famílias”, opina.

Os casos de cárcere privado e relacionamento forçado podem ser denunciados em delegacias. As comissões de Direitos Humanos da Alerj, da Câmara Municipal e da OAB têm trabalhos específicos de proteção aos familiares e vítimas. O Projeto Legal, viculado à OAB, é especializado nesse tipo de casos. Quando as vítimas são menores de idade, elas podem ficar sob a guarda do Conselho Tutelar.

*Os nomes das vítimas ouvidas nesta reportagem são fictícios por medida de segurança

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